Aguçar os sentidos para engrossar o caixa no fim do mês.
Essa é a proposta de alguns comerciantes que investem até na
neurociência - disciplina que estuda o sistema nervoso humano - para
atrair o cliente, fazê-lo gastar mais e procurar suas lojas novamente no
futuro.
Esse grupo de empreendedores também investe em identidade olfativa,
criação de trilhas sonoras elaboradas conforme o público que se pretende
seduzir e, claro, em tecnologia que incentive a interatividade com o
consumidor por meio do tato.
O resultado não se mede por meio de métricas objetivas. Segundo
especialistas, essas ações promovem a construção e valorização da marca
do empreendimento. Mesmo assim, comerciantes contam que o número de
frequentadores, em alguns casos, dobra após a implementação de algumas
dessas estratégias, antes vistas apenas em filmes de ficção científica.
É o caso de Marcelo Chiaparini. Ele é proprietário de uma loja de
artigos para jovens da marca Billabong no Shopping Iguatemi de
Alphaville. O empresário investiu pesado no negócio, cerca de R$ 800
mil, no começo do ano passado.
Mas a loja, como tantas outras, era convencional. Até agosto daquele
ano, quando Chiaparini recebeu a visita da engenheira Regiane Relva. Ela
apresentou-se e, sem rodeios, convidou o empreendedor a ser dono do
primeiro comércio inteligente da América Latina.
Chiaparini aceitou na hora. "Ela tinha esse projeto de ponto de venda
tecnológico e precisava de alguém que topasse. Como eu não precisaria
colocar a mão no bolso, topei", afirma o comerciante.
O resultado da parceria transformou o ponto de venda, que conta por
exemplo com uma tela sensível ao toque instalada dentro do provador. Por
meio dele, o cliente chama o vendedor e indica qual produto deseja
experimentar. Até o pagamento ficou diferente. Os produtos carregam um
chip e, dessa forma, não precisam ser retirados da sacola de compras
para que o caixa registre a venda e informe o valor ao consumidor.
Segundo Chiaparini, após as mudanças, o número de visitas aumentou de
210 para 420 clientes por mês, com reflexo natural nas vendas. "Alguns
clientes, principalmente as crianças, entram aqui apenas para brincar
com os joguinhos que temos nos monitores. Depois, eles voltam com o pai e
a mãe para comprar", afirma.
"Incentivar a interatividade e os sentidos do consumidor é uma boa
ideia", afirma Beto Almeida, diretor da Interbrand, agência
especializada em criação de marcas.
Segundo o especialista, 80% da motivação da compra surge exatamente
no instante em que a pessoa está no ponto de venda. Assim, criar
artifícios que agreguem experiências inovadoras pode ser uma boa
estratégia. Mas qualquer ferramenta precisa, efetivamente, estar
associada aos atributos da marca.
"Tem de ser algo duradouro. O importante é procurar atingir todos os
sentidos possíveis, mas embaixo de estratégias que tragam benefícios
para o consumidor e também para a marca em questão", destaca Pedro
Calabrez Furtado, professor do curso de ciências do consumo da Escola
Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Segundo Furtado, a visão é o principal e mais fácil dos sentidos a
ser atingido. Mas procurar interagir com os demais pode ser uma forma
eficaz de comunicação. "O ponto positivo é que os comerciantes começam a
se atentar para isso."
É o que faz, por exemplo, o empresário Rony Meisler, fundador da
Reserva, marca carioca especializada em vender roupas. Formado em
engenharia de produção, ele gosta de dizer que tem a neurociência como
hobby. Não à toa, aplica em suas 26 lojas os conceitos que toma contato
por meio de cursos e livros sobre o assunto.
"A técnica vai desde uma mesa colocada na frente do estabelecimento
com uma peça de roupa dobrada de maneira bacana, o que induz ao tato,
até uma decoração que faça o cliente sentir-se em casa", afirma Meisler.
"Se você entrar nas minhas lojas, vai perceber que a trilha sonora é de
10 anos atrás. Isso porque o nosso público tem 30, 35 anos e sabemos
que o gosto musical deles se forma com as bandas que escutou quando
tinha 20, 25 anos", ensina.
A procura por ferramentas sensoriais tem se desenvolvido tanto que já
criou um mercado de empresas especializadas em fornecer esse tipo de
solução. Rony Meisler, por exemplo, contrata os serviços de uma agência
que elabora trilhas customizadas. Ele também adquire os produtos de uma
casa de fragrâncias, responsável por criar os perfumes borrifados nos
estabelecimentos.
"A gente começa a pensar nas músicas um ano antes da coleção entrar
na loja, quando já recebemos o tema das peças, tecidos e a proposta do
que será vendido", diz Pedro Salomão, sócio da Rádio Ibiza, negócio
criado em 2007.
"Estamos com 700 clientes atualmente e devemos fechar o ano com
faturamento de R$ 4,2 milhões", revela o empresário. "O mercado mudou
muito nos últimos três anos, quando os lojistas passaram a dar
importância para esses serviços sensoriais como forma de garantir a
sobrevivência das marcas", conclui o empreendedor.
RENATO JAKITAS - O Estado de S.Paulo
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